PORTE DE FUZIL JÁ COMEÇA A SER DISCUTIDA COMO CRIME HEDIONDO
Mudança na lei. Fuzis
apreendidos no Rio: pela proposta que será discutida na Câmara, quem for
flagrado com armamento de guerra cumprirá pena em regime fechado -
Pablo Jacob / Pablo Jacob.
Mudança na lei. Fuzis
apreendidos no Rio: pela proposta que será discutida na Câmara, quem for
flagrado com armamento de guerra cumprirá pena em regime fechado -
Pablo Jacob / Pablo Jacob.
BRASÍLIA - A
Câmara dos Deputados começou a analisar nesta terça-feira medidas legislativas
sobre segurança pública, dando início ao pacote anunciado pelo presidente da
Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Os líderes concordaram em discutir primeiro o
projeto que transforma em crime hediondo a posse e o porte de fuzis e outros
armamentos de uso restrito, o que torna mais rígido o cumprimento da pena. A
bancada da bala apresentou uma lista de projetos para tentar aproveitar o
momento e emplacar propostas polêmicas, como acabar com os “saidões” dos
presídios e aumentar as penas para pequenos traficantes.
De autoria do
hoje prefeito do Rio, Marcelo Crivella (PRB), o projeto que trata do porte de
fuzis tramita na Câmara desde 2015, quando foi aprovado pelo Senado. A transformação
do crime em hediondo vai aumentar, na prática, o cumprimento de pena. Primeiro
porque obriga que o criminoso fique em regime fechado, o que não ocorre
atualmente pelo fato de a punição ser de três a seis anos de prisão, permitindo
que o detento já tenha logo o benefício do regime semiaberto.
Além disso, as
regras serão mais rigorosas para a progressão de regimes. Hoje, ela ocorre com
o cumprimento de um sexto da pena. Transformado em crime hediondo, o porte de
armas de uso restrito passa a exigir que 40% da pena seja cumprida para ter
início a progressão. Esse tipo de crime também passa a ser inafiançável, e o
condenado perde os benefícios da anistia e de indultos.
Autoridades da
área de segurança têm citado o projeto recorrentemente como uma forma de ajudar
no combate à criminalidade no Rio. Maia voltou ontem a rebater o secretário de
Segurança do Rio, Roberto Sá, que cobrou uma “reforma criminal” do Congresso. O
presidente da Câmara afirmou que o parlamento tem feito sua parte e que,
portanto, o problema central não é de legislação, pois não ocorre em outros
estados.
— Eu fico
pensando se a legislação do Brasil serve só para o Rio de Janeiro. Porque a
situação do Rio não acontece em São Paulo, não acontece em Minas. Essa morte
absurda de policiais tem se concentrado no Rio. Talvez a lei brasileira tenha
falha apenas no Rio e em nenhum outro estado. Vamos aprovar um grupo de leis
que vai ajudar o Rio de forma efetiva. Mas isso não é a solução. A solução é
que a gente tenha um efetivo estimulado, investimento e leis. A parte da lei a
gente já vem cumprindo há muitos anos — afirmou Rodrigo Maia.
BANCADA DA
BALA QUER PAUTAR MUDANÇAS
Aproveitando
que o tema está em evidência, a Comissão de Segurança Pública da Câmara e a
frente parlamentar que trata do tema, conhecida como “bancada da bala”, tenta
incluir no pacote projetos polêmicos. A lista das prioridades já foi entregue,
mas Maia afirmou não ter visto ainda as propostas. Caberá aos líderes, na
próxima semana, definir quais outros temas serão contemplados.
Encabeça a
proposta um projeto de lei do deputado Alberto Fraga (DEM-DF), extinguindo da
Lei de Execuções Penais todas as possibilidades de saídas temporárias de
presos, os chamados saidões. Pelo projeto, até a saída de preso para estudar
fora do presídio estaria vetada. Fraga é o coordenador da “bancada da bala”.
Outro tema
polêmico na lista apresentada é o projeto do deputado Capitão Augusto (PR-SP),
presidente da Comissão de Segurança, que extingue a possibilidade de redução de
pena do chamado tráfico privilegiado — quando o crime é praticado por um réu
primário que não atua em organização criminosa e foi flagrado com pequena
quantidade.
No ano passado,
o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que este tipo de crime não poderia ser
considerado hediondo e merecia uma pena menor. Na ocasião, o decano da Corte,
ministro Celso de Mello, destacou dados apresentados por entidades mostrando
que 64% da população carcerária feminina estavam detidas por este crime, que
seria de menor potencial ofensivo. Os ministros destacaram que são enquadrados
nesse tipo de crime os chamados “aviãozinhos” e “mulas”, não devendo ser
aplicadas a eles as mesmas penas dos grandes traficantes.
A chamada
bancada da bala quer incluir ainda no pacote a proibição de liberdade provisória
para quem cometeu crime hediondo, aumentar a pena para o crime de entrada de
celulares nos presídios, revogar a condição de atenuantes do Código Penal para
menores de 21 anos e maiores de 70 anos e alterar a legislação para tornar
ainda mais rígido o regime de prisão em estabelecimentos federais.
A pauta
restrita foi um pedido de Maia, que solicitou aos parlamentares que deixassem
de fora a chamada pauta corporativa, que trata de ampliar benefícios e direitos
a policiais, delegados e demais agentes de segurança. Não há, porém, acordo
sobre os projetos apresentados e caberá aos líderes decidir o que estará no
pacote final. O governo também prepara projetos para sugerir ao Congresso, mas
ainda não enviou uma lista de quais são as propostas que considera necessárias.
MUDAR LEIS
NÃO É O BASTANTE
A saída para
conter a violência no estado não passa apenas pela mudança na legislação, diz o
professor de Direito Penal Jorge Câmara. Segundo ele, uma possível reforma não
seria capaz de produzir os efeitos que a sociedade quer e pede. O especialista
defende uma racionalização do sistema penal.
— A legislação
não é uma panaceia que vai curar os problemas da sociedade. Contudo, penso que,
a curto prazo, a única medida em termos de legislação penal que faria sentido é
o endurecimento para quem porta arma de guerra. Se o policial prende alguém que
roubou com caco de vidro, por exemplo, vai enquadrá-lo na legislação atual, mas
hoje temos armamentos de calibre de guerra transitando em comunidades, sendo
alugadas por traficantes para ladrões cometerem assaltos. E até hoje nós não
mandamos nenhum sinal de que isso é algo inaceitável — explicou, defendendo o
novo modelo prisional da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados
(Apac), que prevê a humanização do sistema.
— Só o
endurecimento de pena irá produzir muito pouco efeito se a gente não passar a
entender que as prisões precisam ser reformuladas. E não dá para reformular, se
a solução de todos os crimes for a prisão, porque vai faltar cadeia. Estamos
presos neste ciclo vicioso. O modelo da Apac é muito interessante porque o
preso é realmente levado a se ressocializar. E o método tem reduzido a
reincidência.
— opina o
acadêmico.
MAIS
INVESTIMENTOS EM INVESTIGAÇÃO
Para o
ex-comandante da Polícia Militar e especialista em Segurança Pública, Ubiratan
Ângelo, ações da Secretaria estadual de Segurança também são fundamentais para
o combate direto à criminalidade. Ele concorda que leis brandas precisam ser
reajustadas com a realidade atual, mas observa a necessidade de investimentos
públicos em aparelhos de investigação e inteligência.
— Sou 100%
favorável a qualquer tipo de medida que endureça e dificulte a vida do bandido,
mas não sou favorável apenas a isso porque um ponto fundamental é ter a
consciência de que o aumento da pena não significa aumento das prisões. É
preciso outras medidas da Secretaria de Segurança para melhorar o sistema
investigativo. Tão importante quanto a pena é a elucidação do delito. Quem está
matando está sendo preso: já sabemos quem matou, onde estão? — questiona, sendo
solidário ao desabafo feito pelo secretário Roberto Sá.
— O desabafo do
secretário é o que todo cidadão gostaria de fazer, o que todo policial faz
todos os dias. Mas a questão é que todos nós temos responsabilidades, cada um
no seu nível, mas temos. Então, não posso afirmar que aumentar a pena vai
melhorar a vida do policial ou do cidadão de bem, porque não dá para garantir.
Afinal, as mortes também são provocadas por armas curtas — concluiu.
Fonte
O Globo
O Globo
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