Bope, com orgulho e amor em salvar vidas.


O BOPE, a espiritualidade e a condição humana


Eu e Marco Tulio Zanini, estudamos o BOPE desde 2011. Escolhemos estudar esse batalhão para compreender como conseguiram constituir equipes de alto desempenho frente a tanta adversidade. É um tema de interesse em gestão pública e somos professores e pesquisadores na área. Em termos de gestão, o BOPE é considerado uma CAO: critical action organization, em inglês, em que qualquer erro pode ser fatal.
Publicamos o nosso primeiro livro sobre o tema em 2014. Escolhemos uma CAO para estudar o papel da confiança em casos extremos. Temos outros artigos acadêmicos sobre o tema.
Acabamos de submeter um paper acadêmico para publicação próxima sobre a questão da espiritualidade no batalhão. Não incluímos esse tema no livro, porque era de tanta sutileza e complexidade que demandava uma analise antropológica mais robusta. E me impressionou a forma leviana com a qual o tema foi tratado na folha de São Paulo.
A questão da espiritualidade existe na tropa. Por uma questão simples: como conviver com a morte, o mal, o crime, a covardia, a injustiça, a tortura de menores por bandidos, a vitimização dos inocentes nas comunidades, uma rotina de trabalho marcada pela violência e pelo risco de vida mantendo a saúde mental? Como lidar com uma rotina tão dura, com tanto risco pessoal e profissional, e perseverar na tarefa? Por que não desistem e mudam de emprego? O que os faz ir para o trabalho todos os dias? Qual é a fonte da sua motivação? Eram algumas das perguntas que buscávamos responder para entender os desafios da gestão pública nessa área.

 Já são 91 policiais mortos. E quem esta nessa profissão tem como rotina ir ao enterro de colegas jovens e ver nesses as viúvas com seus filhos pequenos, agora órfãos. Conhecemos alguns desses. Saem de casa para trabalhar todos os dias, como dizem eles, “sem flores para recebê-los! É só bala”! Vêem o retorno da insegurança e da violência e a desconstrução de muito do que fizeram nos últimos anos. Há não muito tempo atrás, conversamos com a liderança do Batalhão sobre um programa para a preparação do BOPE para paz.... quando sonhávamos que a politica publica de segurança daria certo e a tropa teria apenas uma função de manutenção dessa. Nos surpreende uma matéria de jornal que dá a entender que há algo do tipo “Ceita” se formando no interior da unidade. Que lança uma fagulha de desconfiança de que ali alguns loucos usam a religião para justificar a morte. E atiça o medo e a desconfiança sobre uma tropa que é referencia mundial naquilo que faz e onde pessoas como eu e você trabalham duro para fazer a coisa certa, com um volume enorme de dificuldades e muita falta de apoio.
O símbolo do BOPE nada tem a ver com uma imagem Cristã. Foi concebido pelo coronel Almendola, um dos fundadores da unidade, nos idos anos de 1978, que nos deu uma longa entrevista sobre a razão pela qual era importante ter um símbolo e porque esse símbolo: o espirito de corpo é o que garante que um soldado não deixara o outro ferido no campo de batalha. O sentimento de unidade, de identidade e o senso de missão é o que precisa orientar a ação. Um soldado sozinho é vitima fácil. Uma equipe bem treinada é a espada da lei.  A caveira é um símbolo antigo nas organizações militares. A faca na caveira simboliza vitória sobre a morte. E esta relacionada diretamente ao objetivo de realizar as operações sem nenhuma morte: nem do policial. Nem dos cidadãos no entorno. Nem dos bandidos, que devem ser levados à justiça. Cumprir a lei, para eles, é zelar por esse ideal. O treinamento duro tem por objetivo retomar o território que esta sob o domínio do crime, permitir a ação do Estado e o domínio da lei, e instaurar a paz. Para isso, o controle da agressividade, a busca incessante pela excelência, o treinamento robusto, a busca constante por identificar quem possa manchar esse ideal e afastar do grupo faz parte de esforço continuo. O circulo vermelho é a força da lealdade, que é o que garante a vida de cada um.  As duas garruchas cruzadas são o símbolo da Policia Militar do Estado do Rio de Janeiro. O formato da faca não é referencia à cruz. É uma arma de batalha. Nem o vermelho é uma referência ao sangue de Cristo.

            Sim. Eles rezam. Se sua vida corresse risco diário talvez você também o fizesse. E sim, eles sabem que podem errar. E que quando isso acontece, as consequências podem ser terríveis. É preciso rezar por isso também. É preciso rezar para ter forças e perseverar na luta contra o crime. Para não ser atingido por balas ao longo da rotina diária de trabalho. Para tolerar o volume de maldades que veem diariamente. Para conseguir voltar para cada e ser um pai e um marido normal. E para ir a tanto enterro de colegas de trabalho.
            Agora: nesses 6 anos de estudo no Batalhão, nunca vimos, em nenhuma circunstancia, alguém usar versículos para justificar letalidades. Nunca vimos também a “exclusividade de evangélicos”. Não falamos da espiritualidade de maneira leviana nos nossos escritos. Entendemos, com Viktor Frankl, que a busca do sentido é fundamental para a saúde mental e para dar-lhes força para perseverar em uma profissão que lhes impõe tantos riscos. E entendemos que esse é o caso dos policiais do BOPE. Que como tantos outros estão com suas vidas em risco para defender a nossa.

Carmem Miqueles.

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