Polícia Federal pode impedir Policial estadual de embarcar armado?
No dia 09 de agosto de 2016 o Departamento de Polícia Federal publicou a Instrução Normativa 106-DG/PF, que modificou o procedimento de embarque de passageiros armados em aeronaves privadas, com vigor a partir de 90 dias da publicação, exceto o art. 10 que já está em vigor desde a publicação no Diário Oficial da União.
Impende
mencionar que vários aspectos relevantes foram abordados na Instrução
Normativa, como a desnecessidade de apresentação do Certificado de Registro de
Arma de fogo de armas institucionais brasonadas, deve ser apresentado somente a
identificação funcional (art. 37, §1º); a obrigação do policial que embarcar
armado não ingerir bebidas alcoólicas (art. 20, VI); atuação somente em caso de
ordens específicas do comandante da aeronave, em caso de tumulto ou outra
circunstância, se aeronave com portas fechadas (art. 20, III); a proibição de
funcionários da empresa de transporte aéreo ou empresa aeroportuária de
manusear a arma de fogo – configuraria porte ilegal (art. 36); obrigação da
condução da arma de fogo de forma discreta (art. Art. 20, II), entre outros.
O
descumprimento das normas estabelecidas pode implicar o desembarque
compulsório, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, conforme expõe art. 22 da
IN. Por isso, sugere-se sua leitura.
De
início, para que não existam confusões, se faz necessário diferenciar embarque
de passageiro armado de despacho de arma de fogo, aliás, com conceitos dados
pela própria IN:
Embarque de Passageiro armado: embarque de
passageiro portando arma de fogo no interior de aeronave privada, desde que
cumpridas as exigências legais e mediante autorização da representação da
Polícia Federal no aeroporto (art. 2º, XXVII).
Despacho de arma de fogo e munições: transporte de arma
de fogo e/ou munições em compartimento de carga de aeronave ( art. 2º, XXIV).
Desse
modo, as considerações aqui trazidas dizem respeito apenas ao embarque de
passageiro armado, pois, de qualquer forma, o despacho de arma de fogo para
policiais da ativa ou da inativa, e demais detentores de prerrogativa de porte
de arma de fogo ou transporte, continua autorizado nos termos do art. 23 da IN
106-DG/PF.
Dentre
vários aspectos disciplinados no citado ato infralegal, houve substancial
mudança no que concerne ao embarque armado de Policiais, sobretudo Policiais
não integrantes do quadro do Departamento de Polícia Federal.
Vem
chamando a atenção o teor do art. 10 da Instrução Normativa, confira:
Art. 10. O embarque de passageiro portando arma de fogo em voos comerciais domésticos será autorizado apenas nos casos de:
I – policiais federais da ativa, em razão de suas atribuições constitucionais; ou
II – servidores governamentais da ativa, com porte de arma em razão de ofício, em deslocamentos a serviço, e desde que preenchido o aspecto relativo à necessidade, conforme avaliação pela representação da Polícia Federal no aeroporto ou pela unidade da Polícia Federal responsável pela circunscrição do aeroporto.
§ 1º. O oficial estrangeiro de proteção de dignitário equiparar-se-á a servidor governamental da ativa quando estiver compondo equipe nacional de proteção de dignitário.
§ 2º. O SAER poderá restringir o embarque armado em voos específicos, inclusive nas hipóteses dos incisos I e II, em razão de necessidade relacionada à segurança do voo e à segurança da aviação civil.
Pela
redação do artigo acima referenciado, para que o passageiro possa embarcar
armado são exigidos alguns requisitos, senão vejamos:
I – Ser
policial federal da ativa, estando ou não de serviço, ouII – Ser servidor governamental, atendendo os seguintes requisitos:
- Ter
porte de arma em razão do ofício;
- O
deslocamento está sendo realizado em razão de suas atribuições
profissionais;
- Haver
necessidade, avaliada pela Polícia Federal da circunscrição do aeroporto.
Conforme
visto, policiais e demais detentores da prerrogativa de porte de arma (para
saber mais veja nossa Tabela clicando
aqui)
não integrantes da Polícia Federal passaram a ser submetidos a um procedimento
bem mais dificultoso para embarcar de posse de suas armas de fogo, o que gera
alguns questionamentos, os quais passaremos a tratar doravante.
Da (i) legalidade da Instrução Normativa
Como
se sabe, a doutrina aponta cinco espécies de atos administrativos, a saber:
atos normativos, atos ordinatórios, atos negociais, atos enunciativos e, por
fim, atos punitivos.
Fica
claro que a citada instrução normativa é expressão do poder regulamentar
administrativo, por isso, se enquadra na espécie de ato normativo. Atos dessa
espécie, segundo nos dizem os doutrinadores Marcelo Alexandrino e Vicente
Paulo:
Possuem conteúdo análogo ao das leis – são “lei em
sentido material”. A principal diferença – além do aspecto formal – é que os
atos administrativos normativos não podem inovar o ordenamento
jurídico, criando para os administrados direitos ou obrigações que não se
encontrem previamente estabelecidos em lei.[i]
Como
já dito, para poderem embarcar armados servidores públicos com porte por
prerrogativa do cargo que ocupam, devem se submeter ao atendimento de três
requisitos e, ao que tudo indica pela interpretação do ato normativo expedido
pelo Diretor-Geral da Polícia Federal, a partir da entrada em vigor da IN
106-DG/PF, policiais civis, militares, magistrados, membros do Ministério
Público e todos aqueles que possuem porte de arma em razão do ofício, chamados
de “servidores governamentais” só poderão embarcar armados se estivem em
serviço.
Além
da impropriedade do termo “servidores governamentais”, já que os servidores são
do Estado e não do Governo – melhor seria ‘servidores públicos estaduais,
distritais ou federais’ -, a restrição a um direito previsto legalmente (art.
6º, da Lei 10.826/03) é notória, pois a Instrução Normativa impede, claramente,
o embarque armado de policiais, quando a lei não o faz.
Não
há qualquer limitação legal quanto o porte de arma em serviço ou fora dele para
Policiais, há sim um direito do Policial de portar sua arma de fogo em todo
território nacional (§2.º, do art. 6º, da Lei 10.826/03), para sua própria
segurança e de sua família, assim como não deixa de ser policial ou servidor
porque está fora da circunscrição estadual o distrital onde exerce suas
funções.
Todo
ato administrativo deve ser motivado, e sua motivação deve ser clara, explícita
e congruente. Não se vislumbra razão para que policiais tenham restringido um
direito assegurado por lei. Não se vislumbra ainda razão para que policiais
estaduais e distritais sejam discriminados, recebendo tratamento diferenciado
de policiais federais.
Há
uma notória invasão na autonomia dos entes federados, pois conforme redação da
IN 106-DG/PF, mesmo demonstrando estar no exercício das suas atribuições, a
necessidade do embarque armado ainda será objeto de avaliação pela
representação da Polícia Federal.
Assim,
pode ocorrer, por exemplo, que Policiais Civis de serviço viagem no encalço de
algum investigado e sejam impedidos de embarcar armados por um juízo de
conveniência e oportunidade da unidade da Polícia Federal responsável pela autorização.
Ressalta-se
que no curso de investigações policiais estaduais, não há qualquer dever de
informação à Polícia Federal, não existe subordinação entre as polícias, aliás,
as investigações são sigilosas nos termos do art. 20 do CPP. Portanto, não há
motivo para que uma equipe qualquer da Polícia Federal responsável pela
segurança aeroportuária faça juízo discricionário sobre a necessidade ou não do
embarque armado de policiais de outras forças.
Consoante
dicção expressa contida no Estatuto do Desarmamento, é direito dos integrantes
de forças policiais, das forças armadas, o porte de arma mesmo fora de serviço,
in verbis:
Art.
6o É proibido o porte
de arma de fogo em todo o território nacional, salvo para os casos previstos em
legislação própria e para:
I
– os integrantes das Forças Armadas;
III
– os integrantes das guardas municipais das capitais dos Estados e dos
Municípios com mais de 500.000 (quinhentos mil) habitantes, nas condições
estabelecidas no regulamento desta Lei;
V
– os agentes operacionais da Agência Brasileira de Inteligência e os agentes do
Departamento de Segurança do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência
da República;
VI
– os integrantes dos órgãos policiais referidos no art.
51, IV,
e no art.
52, XIII, da Constituição Federal;
(…)
§
1º. As pessoas previstas nos incisos I, II, III, V e VI do caput deste
artigo terão direito
de portar arma de fogo de propriedade particular ou
fornecida pela respectiva corporação ou instituição, mesmo fora de serviço, nos termos do
regulamento desta Lei, com
validade em âmbito nacional para aquelas constantes dos incisos I, II, V e VI.
Relembra-se
ainda que a Constituição, no art. 5º, inciso XV, estatui que “é livre a locomoção no território
nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa,
nos termos da lei,
nele entrar, permanecer ou dele sair com
seus bens”. Arma de fogo não deixa de ser um bem do
policial, e é seu direito trazê-la consigo onde quer que esteja ou se locomova,
independente do meio de transporte utilizado, seja ônibus, trens ou aeronaves.
É
bem verdade que o § 1.º fala “nos
termos do regulamento desta Lei“, contudo, esta previsão não tem o
condão de outorgar a ato infralegal a restrição do uso e porte do armamento e
sim, apenas, disciplinar como ocorrerá o porte, ou seja, podem atos
administrativos disciplinar de forma pormenorizada o porte, nunca restringi-lo.
Não
se questiona a seriedade do assunto, pois um disparo em pleno voo em uma
aeronave comercial com centenas de passageiros pode acarretar uma tragédia,
entretanto, salienta-se que todo policial passa por um processo de seleção
rigoroso, com testes de aptidão psicológica para o exercício do cargo, bem como
treinamento específico. Sua responsabilidade para portar arma de fogo já foi
objeto de aferição no momento oportuno.
Não
cabe, destarte, à Polícia Federal avaliar a necessidade ou conveniência do
embarque armado de policiais. Uma vez preenchidos os requisitos legais,
reafirma-se LEGAIS, deve ser expedida a autorização. Trata-se de um ato
vinculado e não discricionário.
Por
tudo isso, tem-se que a Instrução
Normativa 106-DG/PF extrapolou os limites do Poder Regulamentar
ou normativo da Administração Pública, inovou na ordem legal restringindo
indevidamente um direito. Parece que o ímpeto legislativo do CNJ e CNMP está
fazendo escola nos órgãos administrativos, que insistem em fazer do princípio
da legalidade constitucionalmente previsto (art. 5.º, II, da CF/88), tábua
rasa.
Dessa
forma, melhor seria se o Departamento de Polícia Federal reavaliasse a redação
do art. 10 do supramencionado ato administrativo. Caso não o faça, impõe-se
necessidade de se impetrar Mandado de Segurança perante a Justiça Federal
contra ato do Diretor-Geral da Polícia Federal, a fim de assegurar o exercício
de um direito líquido e certo de portar arma de fogo aos legalmente
autorizados, o que certamente ocorrerá de maneira individual ou por intermédio
das Associações ou Sindicatos de Classe das Polícias estaduais ou dos
respectivos servidores estaduais também atingidos pela restrição.
_________
Para
que nosso leitor fique melhor informado, compare a antiga Instrução Normativa
com a atual, clicando nos links abaixo:
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Sobre o autor: Paulo
Reyner é atualmente Delegado de Polícia Civil e ex-Policial Militar. Graduado
em Direito pela Universidade do Distrito Federal – UDF, Especialista em
Ciências Criminais e Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública.
__________
[i] ALEXANDRINO,
Marcelo, Vicente Paulo. Direito Administrativo descomplicado. 20. ed. rev.
atual. Rio de Janeiro: Foresne, São Paulo: Método, 2012. p. 483.
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Fonte; http://juspol.com.br/2016/08/20/policia-federal-pode-impedir-policial-estadual-de-embarcar-armado/

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